Veja o ponto de vista de Eliseu Alves, pesquisador da Embrapa, sobre o valor da água aplicada nas atividades agrícolas, no tocante às técnicas de captação, distribuição, preservação, armazenagem e consumo. Qual seria a relevância do consumo de água na agricultura? Como a tecnologia pode auxiliar no processo?

O que dá valor a um bem ou a um insumo é sua escassez. O preço de um bem é dado pelo consumo geral.


Quando um insumo é abundante, como ar, no sentido que excede a demanda interna e não pode ser exportado ou armazenado, o excedente vale zero, pois não existe ninguém para comprá-lo. Quando pode ser estocado, a estratégia é retirá-lo do mercado. O mercado de bens perecíveis enfrenta este problema, com um agravante, pois dispor da sobra custa caro. Uma das técnicas usadas é entregar a sobra aos transportadores, sem nenhum custo, e eles saem das capitais e vão vender em outras praças, a um preço que cobre o custo de transporte, matando a produção local, não ligada aos grandes mercados.


A água não é exceção. A técnica é armazená-la em grandes represas. Seria muito bom ter um programa de pequenas represas para armazená-la e transferir sua abundância para a época de escassez.


Se há abundância de água numa dada região e ela escoa para algumas grandes represas como é o caso do Rio Grande, que nasce em Minas Gerais, e água das represas é usada para gerar eletricidade e para o consumo urbano, então, água pode tornar se escassa no local onde ela é abundante. Qual é seu preço? É o mesmo que as hidroelétricas pagam, quando captam a água para gerar eletricidade. Ou, então, o que pagam as empresas que abastecem os consumidores urbanos, quando captam a água. Como não pagam nada no momento da captação, o preço da água para agricultura é zero, neste caso. E se as represas estiverem vertendo água, além da quota mínima? Aí não existe escassez, e, portanto, nada há a pagar.

Note-se que, no exemplo, há alternativas de uso para a água, e, assim, nasce o custo de oportunidade. Obviamente, é mais lucrativo vender para quem paga mais. Num bem tão importante como a água, saber quem paga mais é muito complicado. Digamos que a agricultura pague menos. Perderia a competição contra outras alternativas, possivelmente com sérias consequências para abastecimento interno e exportações. A água para consumo humano é prioritária. Por isto, as proibições recentes do seu uso para a irrigação. Como consequência, pode haver redução da produção, e, num extremo, fome. Como avaliar isto? O mercado fornece apenas parâmetros, mas a decisão final lhe escapa, por estas e outras razões, para sociedade e, por fim para o governo. Da mesma forma, a cobrança de tarifa na captação é competência do governo que pode se valer de leilões especialmente planejados, o que raramente é praticado.


É costume argumentar-se que as hidroelétricas devolvem a água para o rio, e, sendo assim, nada têm a pagar. Se a jusante das represas houver consumo humano, e se a produção de eletricidade reduzir a água para consumo humano, caracteriza-se a escassez. Ainda há o fato de que as represas evaporam muita água que não forma nuvens, necessariamente nas regiões que interessam.


Quando inexistem as represas, havendo abundância de água, seu preço para quem for captá-la é zero. Existe um celebrado teorema da teoria econômica que diz que, quando a quantidade disponível de um insumo excede seu uso, seu preço é zero. O teorema apenas capta e, muito bem, o significado de escassez. Porque pagar pelo excedente de um bem que superou o consumo? Quem tiver recursos pode comprar a sobra, desde que o bem não seja perecível, e vender no próximo ano. Isto é que se chama corretamente de especulação. Aí, o conceito de sobra é mal usado. Tem que se incluir a demanda dos especuladores para medir corretamente a sobra.


Frequentam a imprensa notícias de que a agricultura consome 70% da água usada pelo homem. Quanto do ar ela consome? Ninguém fala disto, exatamente porque o preço do ar é zero. Antes de glorificar este tipo de estatística, deveria ser salientado que, na maioria das situações a agricultura não está competindo com outras alternativas e que, nestes casos, consome um bem cujo o preço é zero. Ouço falar que o Brasil é grande exportador de água por ser grande exportador de produtos da agricultura. Ninguém se lembrou de perguntar: quanto vale a água exportada? Na mesma linha de raciocínio se critica a agricultura irrigada, dizendo que ela compete com a geração de energia, o que somente parcialmente, e em algumas situações, é verdade. Cabe perguntar, se fosse o caso, que é mais importante produzir comida ou energia?


Há políticas para lidar com escassez de água que imitam o mercado, como cobrar tarifas mais elevadas dos que consomem acima de um certo padrão e multas para o consumo exagerado. De um modo geral, quando a escassez é crítica, usa-se o racionamento. Por ele, os mais pobres são os mais prejudicados. Também restrições, tais como proibir o uso de água para irrigação, frequentam as agendas dos governantes, embora ineficientes.


Se a escassez de água persistir é melhor cobrar uma tarifa na hora da captação. É a forma mais eficiente de racionamento. Qual é o grande problema desta política? Normalizada a chuva, o governo continuará cobrar a tarifa. Por isto, esta opção é rejeitada.

A argumentação mantém fixa a tecnologia. Há muitas inovações que têm enorme poder de economizar água, em nível de agricultura, como o plantio direto, pequenas represas, cultivares que consomem menos água. Foi descoberto pelo CENARGEM, no café, um gene que aumenta a tolerância à seca, e já se sabe como transferi-lo para outras plantas. Existem equipamentos de irrigação muito eficientes que consomem muito menos água que os em uso. Os irrigantes precisam de financiamento para comprá-los. Que faz a tecnologia? Libertar o homem dos grilhões do mercado e da natureza.

Fonte: http://www.ciflorestas.com.br/conteudo.php?id=11253