José Coelho Vitor aprimorou-se na "arte de fazer cruzados" à frente do grupo Cabo Verde, com sede em Passos, sudoeste de Minas Gerais, uma das dez maiores bacias leiteiras do País. Foi um dos pioneiros do cruzamento de Gir com Holandês, que dá origem ao Girolando, hoje a raça leiteira mais vendida no País. Tal talento para usar a heterose como ferramenta foi empregado por Coelho Vitor também para outra finalidade: produzir tourinhos e bois gordos no Pará, faceta que poucos conhecem. "Sempre fui bom produtor de gado leiteiro, mas também sei fazer uma bezerrada de corte de dar gosto", diz o criador, do alto de seus 82 anos.

Ha três décadas, ele faz ciclo completo no sul do Estado, de onde tira 4.000 bois por ano, 80% deles exportados vivos e o restante direcionado para abate em frigoríficos regionais. Essa longa experiência com gado de corte acabou por conduzi-lo a seleção de uma raça ainda pouco difundida na região: o Tabapuã. Atualmente, todo o projeto pecuário de José Coelho Vitor tem por base dois pilares: essa raça zebuína forjada no Brasil e o Nelore, que ele cria em dois complexos rurais. O primeiro, o Santa Lúcia, é formado por cinco fazendas limitrofes que totalizam 15.000 hectares, em Curionópolis. O segundo, a Fazenda Serra Azul, de 7.500 hectares, fica em Marabá.

O rebanho puro Tabapuã, que leva a marca "Cabo Verde", é mantido no complexo Santa Lúcia e compreende 4.000 animais registrados na ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu), sendo 2.200 fêmeas, 1.180 machos em recria e 800 bezerros. Do universo de fêmeas, 50 são doadoras que produzem embriões para FIV (fertilização in vitro), visando a impulsionar o programa de melhoramento genético da empresa e ampliar o volume de tourinhos produzidos anualmente. São quase 500 reprodutores por safra, comercializados na fazenda e em leilões nas exposições de Xinguara, Redenção, Marabá, Parauapebas e São Felix do Xingu. Hoje, 40% dos tourinhos Tabapuã são adquiridos de forma direta, por pecuaristas que reconhecem a qualidade genética dos animais da marca Cabo Verde, uma das mais conceituadas do País, devido principalmente a quesitos como ganho de peso e precocidade.

SUCESSOR A ALTURA - O interesse pelo Tabapuã surgiu em 1992, época em que o Complexo Santa Lúcia era um verdadeiro "laboratório" de cruzamento industrial. "Cheguei a ter mais de 80% do rebanho europeu", lembra Coelho. "Esse gado tinha uma precocidade enorme, mas deixava pouco lucro, devido aos problemas de casco, carrapato e baixa resistência ao calor." Após quase perder a fazenda devido a um surto de carrapato, o criador decidiu abandonar o cruzamento industrial com europeu (principalmente Angus) para apostar na cruza de zebu com zebu. "Quando os primeiros frigoríficos se instalaram na região, a situação piorou muito. Eles puniam meu gado por ser cruzado e vermelho. Enfezei com aquilo e mandei matar todos os machos." José Coelho Vitor conta que manteve na propriedade apenas as vacas e alguns tourinhos Nelore. "Foi nessa época que me deparei com o Tabapuã", relembra.

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O primogênito Murilo e José Vitor Coelho: família vocacionada para a pecuária seletiva.

O encontro com a raça ocorreu "casualmente" e por indicação de um de seus cinco filhos, Mauricio Coelho, que na época cursava a faculdade de medicina veterinária e estagiava na fazenda de Armando Leal do Norte, em Medeiros Neto, no sul da Bahia, quase na divisa com o norte de Minas. Esse selecionador e idealizador da raça Red Norte possuía animais Aberdeen Angus, Simental e Tabapuã, que utilizava em suas experiências com cruzamento. "Existiam duas grandes linhagens da raça naquela época. Uma era a da Fazenda Água Milagrosa, da família Ortemblad; outra era a do seu Dozinho, da família Viana", lembra Mauricio. "Os animais de Armando Leal eram dessa última linhagem. Além de serem dóceis, tinham boa estrutura de carcaça, diferentemente do Nelore daquela época. Achei interessante e insisti para que meu pai fosse conhecer o gado."

Na primeira visita a propriedade de Armando Leal, José Coelho Vitor adquiriu 16 exemplares. "Ainda não se fazia um gado puro como conhecemos hoje, mas eram bons animais. Peguei os melhores touros e joguei em cima da vacada Nelore. O resultado foi ótimo", garante o selecionador. Com os produtos nascidos, o produtor conseguiu manter a receita da fazenda, pois o Tabapuã tinha custo de produção muito baixo em comparação com o do gado europeu. "Tantos os machos quanto as fêmeas apresentavam bom ganho de peso e rendimento de carcaça. Cheguei a abater vacas com mais de 17@. Era um gadão", conta, entusiasmado.

Contente com os resultados, decidiu abandonar definitivamente o cruzamento com raças européias e fazer Tabanel, produto da cruza de Tabapuã com Nelore. "Em pouco tempo, eu tinha 4.000 excelentes vacas comerciais zebuínas. Fiz o melhor gado de corte do sul do Pará", gaba-se o criador, lembrando que, na época, o Pará tinha pouca disponibilidade de animais de reposição e produzir a própria cria era a única saída dos invernistas. "Para comprar gado precisava ir até o Tocantins, arcando com despesas altas." Para formar seu novo rebanho, comprou apenas 2.000 vacas. "O restante fui produzindo e, aos poucos, meu plantel foi clareando, azebuando", relembra.

Para Murilo Coelho, o primogênito de Seu Zé e seu futuro sucessor nos negócios do Pará, a aptidão da família para a pecuária seletiva nasceu naturalmente nesse processo. "Tínhamos disponibilidade de fêmeas, o que nos levava a ser criteriosos no descarte, exercendo forte pressão seletiva sobre características reprodutivas e funcionais. Começamos a seleção pelo gado de corte", diz Murilo, lembrando que na primeira visita de um técnico da ABCZ a Santa Lúcia foram apartadas 250 novilhas muito bem caracterizadas. "Era o início do LA (livro aberto) de fundação, que rapidamente subiu para LA2 e evoluiu para o PO", informa Aurélio Vilela, técnico da ABCZ e consultor da Santa Lúcia.

Os investimentos na raça começaram para valer com a compra de algumas novilhas na Expozebu, de vacas da Fazenda Água Milagrosa e de bezerras da Fazenda Mutema. "Finalmente, em 2009 comprei 250 vacas puras na liquidação de Getúlio Pinheiro Brito. Voltei ao rebanho e eliminei os animais de fundo. No ano seguinte acabei com o LA." Para "fidelizar" mercado, a família Coelho soube bem que tipo de produto oferecer. Nada de gado de cocheira. "Testamos os reprodutores em provas de ganho de peso a pasto ainda jovens, depois os utilizamos por uma ou duas estações de monta e somente então os colocamos para venda", diz Murilo. "Com isso, asseguramos o avanço genético do rebanho e conseguimos avaliar a progênie dos nossos animais."

BOA PERFORMANCE - A pressão para seleção de touros jovens começou em 2007, ano de inclusão do Tabapuã Cabo Verde no PMGZ, programa de melhoramento genético da ABCZ. "Até então nosso gado era selecionado pelo fenótipo. As avaliações genéticas trouxeram subsídios importantes, inclusive para a abertura de mercados", diz o herdeiro de José Coelho Vitor. Sob a chancela do PMGZ, a Santa Lúcia promoveu 62 provas de ganho de peso, com uma média de oito por ano e mais de 1.600 animais avaliados.

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Rebanho começou com 16 animais e hoje tem 4.000 registrados na ABCZ

Touros de destacam em

programas de melhoramento

Segundo o técnico Aurélio Vilela, o foco do trabalho realizado pela empresa e a produção de reprodutores com aptidão para ganho de peso. "Enquanto as DEPs (diferença esperada na progênie) do rebanho Tabapuã no PMGZ para peso pós-desmama alcançam 24 g/cabeça/dia, na Santa Lúcia elas ultrapassam 33 g/cabeça/dia", diz Vilela, explicando que, na prática, os tourinhos Santa Lúcia ganham 1 kg a mais por mês em relação a média das avaliações. Para o técnico, animais com alto rendimento da desmama ao sobreano alcançam conformação frigorifica mais cedo, dando velocidade ao abate. "Sabemos do que precisam criadores, recriadores e invernistas. Isso nos permite direcionar melhor a seleção dos touros", completa Murilo.

Além do ganho de peso pós-desmama, o rebanho da Santa Lúcia se destaca em outras duas características relacionadas a desempenho no PMGZ, que são habilidade materna e ganho de peso ao sobreano, com diferença de 63% e 15%, respectivamente, acima da média. A precocidade sexual e outro ponto alto do Tabapuã Cabo Verde, com DEPs elevadas para idade ao primeiro parto, característica relacionada à identificação de matrizes precoces e potencial de reconcepção na monta; e perímetro escrotal, característica de alta correlação com a fertilidade dos machos. A média de CE dos touros Santa Lucia é 4 cm superior a população avaliada.

Lauro Fraga, gerente de fomento do PMGZ, classifica os animais Santa Lúcia como uma tourada "standart". "Em seis anos de trabalho foram classificados 77% dos 424 touros indicados ao CEP (Certificado Especial de Produção). É um número bem alto", garante Lauro. Esse certificado e fornecido pela ABCZ aos animais que ficam entre os 8% melhores de cada safra avaliada, com base no IABCZ (Índice de Avaliação Genética do PMGZ) e boa pontuação no Epmuras, índice classificatório de características morfológicas utilizado pela ABCZ. Em 2012, um terço dos reprodutores Tabapuã candidatos ao CEP eram da Santa Lúcia. "Da para contar nos dedos das mãos os criatórios que alcançam esse número", diz Aurélio Vilela. "A diferença do trabalho de Coelho Vitor está em produzir maquinas que possam gerar bons bois gordos."

A produção de touros da fazenda e vendida no Pará, Tocantins e Maranhão, mercados que Murilo e o pai pretendem expandir nos próximos anos. "O Mato Grosso tem dado sinais de um futuro promissor. Talvez seja nosso próximo foco de atuação".