A tristeza parasitária bovina é uma doença que causa significativas perdas econômicas em um rebanho bovino, provocando, sobretudo, a morte de animais e comprometendo a reposição futura do rebanho. Ocorrem, também, prejuízos devidos aos gastos com medicamentos, mão de obra, menor ganho de peso e demais consequências. Calcula-se que as perdas econômicas causadas pela tristeza, na América Latina, sejam em torno de 800 a 875 milhões de dólares.

Por Ernane Campos – Tiatrizi Siqueira Machado – Médicos veterinários da Equipe ReHAgro

Artigo publicado na InteRural - Revista do Agronegócio - Agosto 2010

A tristeza parasitária é causada por agentes do gênero Anaplasma e Babesia e sempre é acompanhada por outras doenças, daí o termo “complexo”. A diarreia e a pneumonia compõem o complexo tristeza parasitária, seja como fatores predisponentes ou como consequências.

Transmissão

A transmissão ocorre quando os carrapatos se alimentam do sangue dos bovinos, uma vez que picam vários animais. Os materiais que têm contato com o sangue dos animais, como agulhas, também podem constituir uma fonte de infecção. O quadro 1 mostra as formas de transmissão dos agentes causadores da tristeza.

A tristeza parasitária é uma doença que causa febre e anemia. Ocorre em regiões onde o seu principal vetor, o carrapato, está presente, acontecendo em praticamente todo o Brasil. No sul do Rio Grande do Sul, o carrapato não encontra condições sobrevivência e, portanto, raramente verificam-se casos da doença.

Nas regiões onde existe grande número de carrapatos presente durante todo ano, a maioria dos animais é infectada quando jovens, ocorrendo um grande número de casos em bezerros, mas quase não se observa nos animais adultos, pois se tornaram portadores. Nas regiões cujo clima determina longos períodos sem a presença do carrapato nota-se um grande número de casos de animais doentes e morte, principalmente em animais com idade acima de 9 meses. Isso acontece por que os animais reduzem muito a taxa de anticorpos (defesa), favorecendo a ocorrência de surtos.

A tristeza é mais frequentemente encontrada em bezerros. Os bezerros se infectam por volta de 12 a 15 dias de vida, quando ainda possuem uma imunidade originada da mãe. Dessa forma, bezerros que tiveram uma boa colostragem e, assim, adquiriram uma boa defesa vinda da mãe tendem a se infectar e não manifestar sintomas, ou, quando há um grande número de moscas e carrapatos que transmitem a doença, a manifestação, normalmente, pode ocorrer, porém de forma menos grave.

A infecção que se dá nos primeiros dias de vida confere uma imunidade que persiste por vários meses, e o animal torna-se capaz de controlar as infecções sem o aparecimento de sintomas. A manifestação clínica é mais grave em animais mais velhos, aumentando o número de mortes.

Quadro 1

Sintomas

O animal infectado por Babesia leva cerca de 5 a 10 dias, e o animal que se infecta por Anaplasma leva de 3 a 5 semanas para manifestar os sintomas. Esta informação pode auxiliar na identificação do agente causador da tristeza parasitária em bezerros. Por exemplo, se um bezerro adoece com 15 dias de vida, é mais provável que o agente seja a Babesia, já que o período para a ocorrência dos sintomas varia de 5 a 10 dias.

Tanto na babesiose, quanto na anaplasmose, ocorrem anemia e aumento da temperatura corporal, sendo que o aumento de temperatura, normalmente, é maior na babesiose (40 a 41,5°C) do que na anaplasmose (39,5 a 40,5°C), como pode ser observado no quadro 2. É mais comum as mucosas ficarem amareladas (Figura 1) e perceber a presença de sangue na urina (urina avermelhada) em animais com Babesia. Já na anaplasmose, estes sintomas são encontrados somente em casos mais graves.

Devido à gravidade da doença, ainda podem aparecer sintomas como mucosas pálidas (Figura 2), anemia, apatia (animal quieto, fraqueza), inapetência (Figura 3), emagrecimento, desidratação, alteração na respiração e aumento dos batimentos do coração, ausência de defecação, edema no pulmão e acidose. Em caso de babesiose cerebral, o animal apresenta sintomas neurológicos, como andar em círculos, pressionar a cabeça contra objetos, depressão, convulsão e morte súbita.

Figuras 1 e 2

Figura 3

Fig.3: Animal com alguns sintomas de tristeza: apatia (cabeça e orelhas baixas) e inapetência (baixo consumo de alimentos).

Quadro 2

A necropsia pode detectar carcaça ictérica (amarelada) ou pálida (branca), sangue pouco aquoso, fígado e baço aumentados, fígado friável, vesícula biliar cheia e bile densa, congestão de rins e cérebro, e coração com algumas alterações, como dilatação, palidez e hemorragias.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito por meio do exame clínico do animal, porém o diferencial entre babesia e anaplasma deve ser feito por esfregaços de sangue (Figura 4 e 5) de ponta de cauda.

Para avaliar se o animal tem anemia, pode-se fazer o exame hematócrito, coletando-se o sangue da orelha do pelo uso de um microhematócrito e centrifugá-lo para verificar o volume de células vermelhas no sangue. O hematócrito é um indicador importante do grau de anemia e hidratação do animal. O valor normal do hematócrito em bovino é de 26 a 42%.

Figuras 4 e 5

Tratamento

O tratamento deve ser específico e sintomático, direcionado para controle dos agentes etiológicos e sintomas.

TRATAMENTO ESPECÍFICO

Babesiose

Imidocarb: 1 a 3 mg/kg de peso vivo.

Diaceturato de diminazene: 3 a 5 mg/kg de peso vivo.

Anaplasmose

•Tetraciclinas: 8 a 11 mg/kg de peso vivo por 3 dias.

• Tetraciclinas de ação prolongada: 20 a 30 mg/kg de peso vivo (dose única).

• Imidocarb: 3 mg/Kg de peso vivo (dose única).

TRATAMENTO SINTOMÁTICO

• Hidratação: a hidratação é importante para repor as perdas de líquidos, contribuindo para a melhor resposta do animal à doença. Pode ser usada a hidratação oral e/ou intravenosa.

• Uso de vitamina B12.

• Transfusão sanguínea: a realização da transfusão sanguínea depende do quadro clínico dos animais e do resultado do hematócrito. A quantidade de sangue a ser fornecida é de 15 a 20 ml/Kg de peso vivo.

• Correção da acidose.

• Alimentação adequada.

• Antitérmico.

• Protetores do fígado.

Controle e prevenção

As medidas preventivas devem ser praticadas sempre que as condições favoreçam a ocorrência da doença (alta infestação por carrapatos) (Figura 6). Avaliações diárias dos animais devem ser realizadas para que a identificação da doença ocorra mais cedo possível e medidas de controles sejam adotadas.

O controle de tristeza parasitária depende de uma série de fatores:

- boa transferência de imunidade passiva para o bezerro.

- bom controle dos carrapatos e moscas, assegurando seu contato com os bezerros de forma controlada, sem que representem um grande desafio, e garantindo o estímulo para o desenvolvimento da defesa do animal. No Brasil, é usado o controle estratégico de carrapatos em determinadas áreas, porém o uso de produtos para combater este parasita, muitas vezes, é feito de forma indiscriminada, aumentando a resistência a produtos comerciais.

- boa alimentação.

- acompanhamento e avaliação do histórico de casos na fazenda para estabelecimento de medidas preventivas de acordo com cada caso.

- várias vacinas têm sido estudadas para a prevenção da doença, porém ainda não temos produtos e resultados consistentes que permitam sua utilização em larga escala.

Enfim, trata-se de uma enfermidade de difícil controle, pois depende de uma série de ações dentro das fazendas, sendo necessária a interação constante entre proprietário, gerência, funcionários e o responsável técnico pela propriedade. Esta interação deve ser sempre fundamentada na troca de informações e treinamentos frequentes da mão de obra envolvida diretamente no manejo dos animais.

Figura 6

Para obter um controle efetivo é importante além de conhecer a prevalência da doença, avaliar a taxa de mortalidade estratificada por faixa etária. O percentual de animais doentes e a taxa de mortalidade dependerão de algumas condições epidemiológicas, tais como: número de vetores no ambiente, estado nutricional e doenças concomitantes. Porém para sua correta avaliação, faz-se necessário um acompanhamento eficaz de armazenamento de dados. Veja um exemplo onde se utiliza um software capaz de gerar informações úteis para avaliação da taxa de mortalidade do rebanho.

Relatório

Fonte: Ideagri

Relatório

Fonte: Ideagri

REFERÊNCIAS

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FACURY FILHO, E. J. et al. Criação de bezerros. Escola de veterinária – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 44 p., 2003.

GONÇALVES, P. M. Epidemiologia e controle da tristeza parasitária bovina na região sudeste do Brasil. Ciência Rural, Santa Maria, v.30, n.1, p.187-194, 2000.

SACCO, A. M. S.; KESSLER, R. H.; MADRUGADA, CR. Cepas atenuadas de Babesia bovis e Babesia bigemina e de Anaplasma centrale como imunógenos no controle da tristeza parasitária bovina. Ciência Rural, Santa Maria, v.31, n.5, p. 849-855, 2001.

SILVA, R. A. et al. Infecção natural por hemoparasitos em bezerros submetidos à quimo-profilaxia aos 30 dias de idade. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 163-165, 2007.

VIDOTTO, O. Estratégias de combate aos principais parasitas que afetam os bovinos. In: Simpósio sobre Sustentabilidade da Pecuária Leiteira na Região Sul do Brasil, 2002, Maringá. Anais do Sul – Leite. Paraná: UEM/CCA/DZO – NUPEL, 2002, 192-212.